Profa Dra. Gloria Regina Franco
por Renata Cavalcante

Gloria Regina Franco é Bióloga formada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre e doutora em Bioquímica e Imunologia pela mesma instituição, e fez seu pós-doutorado pelo Garvan Institute of Medical Research. Participou da criação do programa de pós-graduação em Bioinformática da UFMG e da Associação Brasileira de Bioinformática e Biologia Computacional. Tem experiência na área de Bioquímica, com ênfase em Biologia Molecular e Bioinformática. Atualmente, é Professora Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG.

Gostaríamos de começar a entrevista sabendo um pouco mais sobre a sua trajetória acadêmica e a sua relação com a Bioinformática?

Eu sou Bióloga formada pela UFMG, fiz mestrado e doutorado em Bioquímica e Imunologia também pela UFMG. Durante o doutorado, eu fiz um sanduíche em laboratório americano, na época chamava-se The institute of genomic research, com uma pessoa que até famosa hoje em dia, o Dr Craig Venter, na época ele ainda estava começando a sua carreira. Depois do meu doutorado eu fiz o concurso no mesmo departamento e fui aprovada. Tive uma rápida passagem na França e depois continuei minha carreira como professora de Bioquímica e Biologia Molecular na UFMG.

Sobre a minha relação com a Bioinformática, mais ou menos nos idos de 2000 eu já trabalhava com análise de expressão gênica usando sequências de transcritos, que na época eram os ESTs, e eu trabalhava um pouquinho com Bioinformática, apesar dela não ter esse nome ainda de Bioinformática. Eu participei da criação do programa de pós-graduação em Bioinformática da UFMG assim como a criação da Associação Brasileira de Bioinformática e Biologia Computacional, a AB3C. Eu também fui coordenadora, por duas vezes, do programa de pós-graduação em Bioinformática da UFMG, hoje um programa que tem nota 7 na Capes sendo um programa consolidado na área. E também fui vice-presidente e presidente da ab3c.

De onde veio sua inspiração pra ser cientista? Quando você decidiu seguir por esta carreira?

Eu adorei essa pergunta! Quando eu tinha 14 anos, na época estava na 8ª série do Ensino Fundamental, hoje em dia o nono ano, tive um professor de Ciências, nem era Biologia ainda, que ele foi sensacional. Ele mostrou para a gente pela primeira vez as Leis de Mendel e falou um pouco sobre na época o que a gente chamava de Engenharia Genética, o que hoje é a Biologia Molecular. Eu fiquei tão encantada que perguntei para ele “Professor, o que eu tenho que fazer para trabalhar com isso?” ele falou “você tem que fazer Biologia” e eu falei “então é isso que eu quero fazer!”.

Eu tinha 14 anos, e eu persegui esse objetivo desde aquela época. Eu só fiz vestibular para Biologia, quando eu entrei na graduação, já fui pensando em um bacharelado em genética. Acabei não fazendo o bacharelado na Genética, mas fiz várias disciplinas da área. E depois na pós-graduação, apesar de ter sido na Bioquímica, a ênfase foi em Biologia Molecular. Então hoje em dia eu estou onde eu sempre quis estar. Eu sempre quis fazer isso, eu sempre quis trabalhar com isso. E no meu memorial para professora de titular, eu dediquei o meu memorial para esse professor que foi a minha grande inspiração.

Qual a sua linha de pesquisa atual? E qual a importância desse objeto de estudo?

A minha linha de pesquisa é bastante ampla, mas eu trabalho principalmente com expressão gênica à nível de transcriptoma e não de um organismo específico. Eu trabalhei muito com parasitos, mas agora eu estou migrando para estudos com mamíferos e humanos. E meu foco recentemente é no efeito do splicing na regulação da expressão gênica.

É muito importante trabalhar com a expressão gênica, para que possamos conhecer muitos processos, estando tanto numa situação de normalidade fisiológica como em situação de anormalidade, gerando assim as doenças. Muitas doenças complexas como câncer, doenças neurodegenerativas e doenças metabólicas alteram padrão de expressão gênica. E muitas vezes ao se conhecer as vias e os genes que estão sendo afetados por essas doenças podemos então agir diretamente nesses processos através de medicamentos. Hoje a gente sabe também que doenças infecciosas como vírus, e a Covid-19 é uma delas, afeta a expressão gênica do hospedeiro. E não só expressão gênica como um todo, mas também o splicing . O splicing hoje é um dos mecanismos bem estudados em doenças, em tratamentos com medicamentos que alteram o perfil de splicing em doenças metabólicas, em câncer, etc, mas também é estudado em infecção viral. Eu tenho um trabalho, que estou desenvolvendo com o Sars-Cov-2 mostrando que ele também altera o perfil de splicing das células hospedeiras.

Então é uma forma de resposta da célula alterar o perfil de expressão e o splicing alternativo, aparecendo muitas isoformas que não são as isoformas mais comuns. E talvez esse processo possa ser um alvo para o desenvolvimento de novos medicamentos. E essa é uma área que até hoje é muito pouco explorada, muito pouco conhecida.

Conforme comentado anteriormente, você participou do processo de crescimento da Bioinformática no Brasil, e na sua visão, quais eram os principais desafios em se trabalhar com Bioinformática quando começou-se a explorar a área e quais são os principais desafios nos dias atuais, onde o acesso à informação ocorre de forma tão ampla?

Eu participei desde o comecinho do programa de pós em Bioinformática aqui da UFMG, que foi criado em 2002, mas começou mesmo em 2003 com a primeira turma e um grande desafio no início é que as pessoas não falavam a mesma língua. Era muito complicado os Biólogos falarem com os Cientistas da Computação, com os Físicos, com as pessoas da Química. Era muito complicado, a linguagem não era unificada. A gente sabia que era importante o apoio da parte computacional, o pessoal da computação sabia da importância dos Biólogos mas era muito difícil a comunicação.

Depois que a gente começou a formar os primeiros Bioinformátas, e a gente agradece demais a essas primeiras turmas, que foram as turmas que permitiram que a gente nossos erros e acertos, e eles foram muito corajosos de se aventurar nessa área com professores que não eram Bioinformátas. Na verdade a gente foi meio maluco assim, pois não tinha nenhum professor Bioinformata e a gente estava formando Bioinformátas. Mas eu acho que a gente formou muito bem, porque grande parte dos egressos são pesquisadores ou professores de universidades federais e centros de pesquisa ou estão fora do Brasil.

Então, com o tempo essa questão da linguagem foi ficando mais fácil, e foi se desenvolvendo uma melhor compreensão melhor entre os diferentes grupos. Hoje a gente não tem tanto esse problema, mesmo porque nós temos professores, hoje na UFMG, que são Bioinformátas formados pelo nosso programa, então tem essa essa cultura já da Bioinformática.

Hoje, o grande desafio que enfrentamos é ter recurso para pesquisa. Eu sei que a Bioinformática não precisa tanto de recursos como a ciência molhada, a bancada, mas a gente também precisa de poder computacional e basicamente precisamos das bolsas de pesquisa, das bolsas de pós-graduação. Então hoje o desafio no Brasil, é que a gente consiga manter o nível das nossas pesquisas com poucos recursos, e manter os nossos alunos que estão sendo formados com interesse em continuar na Bioinformática. Eu acho que hoje esse é o grande desafio para gente.

Por já ter experiência em fazer ciência fora do país, gostaríamos de saber o que a você vê de diferente na ciência realizada no Brasil e na ciência realizada no exterior?

Olha, o que eu vejo diferente não é a nossa capacidade de fazer boa pesquisa. Nós temos realmente muita capacidade no quesito recursos humanos, quando os nossos jovens pesquisadores vão para o exterior eles são muito bem colocados, são respeitados pelos grupos de pesquisa que eles se associam. O que eu vejo como problema, para que fiquemos “atrás do pessoal” é basicamente pelos recursos. Por exemplo, eu que trabalho com transcriptoma uso uma técnica chamada Rna-Seq, que é sequenciamento de RNA usando equipamentos de Nova Geração, e esse tipo de experimento é muito muito caro. Então eu tenho várias ideias que gostaria de colocar em prática, mas eu não tenho recurso para fazer um grande número de experimentos de Rna-Seq.

Então, eu uso experimentos que foram feitos por outros grupos de pesquisa que depositaram as sequências nos bancos de dados públicos, só que o que eles fizeram as vezes não é o modelo que eu trabalho ou não é o desenho experimental que eu mais gostaria de trabalhar. Por esse motivo, eu acho que esse é o grande entrave na ciência brasileira, falta de recurso para fazer os experimentos e gerar os nossos próprios dados.

Para finalizar, por muitas vezes notamos que existe um certo distanciamento entre o que é produzido nas Universidades e o conhecimento que chega a população em geral. Na sua opinião, quais medidas a Universidade deveria tomar para ter uma interlocução mais acessível à sociedade?

Atualmente eu acho que essa pandemia que estamos enfrentando traz um ponto positivo, no sentido de mostrar a importância da ciência para a sociedade. Pois é a ciência na produção da vacina, a ciência na produção de novos medicamentos. E a sociedade em geral não sabe o que é feito de pesquisa nas universidades e centros de pesquisa por culpa também dos próprios pesquisadores, que não divulgam adequadamente as suas pesquisas, para um público leigo, de forma clara. E a pandemia acabou meio que mudando um pouco esse paradigma. Agora toda hora você tem uma live com cientista, você pode assistir no YouTube várias palestras ou então em alguns canais específicos, e a gente agora tá aprendendo a falar com público não científico.

Nesta pandemia eu já participei de podcast, estou aqui fazendo esta entrevista, já mandei várias falas, vários áudios no WhatsApp para os amigos leigos, explicando sobre a Covid-19, explicando sobre os medicamentos, explicando tudo sobre a importância de testes que comprovem a eficácia desses medicamentos. Então a gente está aprendendo também a chegar na sociedade, e eu acho que isso é muito importante.

Tem vários pitches que são feitos para divulgar as pesquisas, a UFMG tem isso. Eu acredito que vários universidades têm seus canais com um pequenos vídeos explicando o que são as ciências, a ciência que as pessoas fazem. E também a Divulgação Científica tá crescendo cada vez mais e as agências de fomento também estão exigindo nos seus relatórios finais de projetos que a pessoa deposite pitches ou pequenos vídeos sobre o seu trabalho. Então, eu acho que isso tá mudando, e isso é muito recente. As redes sociais tem ajudado muito na divulgação adequada de ciência e eu acho que sim vai ser tudo muito diferente no futuro.

Glossário:

-ESTs: sigla da língua inglesa: Expressed Sequence Tags, sendo em português, etiquetas de seqüências expressas. É uma tecnologia de seqüenciamento rápido que tem como base a identificação apenas das porções dos genes que irão codificar proteínas. Tecnologia essa que facilitou a descoberta de novos genes.

-Pitch: termo em inglês, usado para nomear uma apresentação rápida de um conteúdo que tem como objetivo convencer um público alvo.