Profa. Ândrea Kely Campos Ribeiro dos Santos
por Pitágoras Alves

Ândrea é Biomédica e mestra em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará (UFPA), doutora em Genética pela Universidade de São Paulo (USP) e fez pós-doutorado na Indiana University. Ela é pesquisadora com experiência nas áreas de genética de populações humanas e genômica, atuando também como revisora de periódicos científicos nacionais e internacionais. Atualmente é professora titular da UFPA.

- Você está envolvida em algumas linhas de pesquisa no momento, poderia nos apresentá-las?

De maneira geral, eu descrevo a minha linha de pesquisa como “desenvolvimento de biomarcadores relacionados a doenças humanas”. Tudo começou com o estudo de câncer gástrico. Dentro desse tema, procuro entender por que ele é tão frequente na Região Norte. Será que é uma questão de susceptibilidade ou é uma questão de ancestralidade asiática, já que a Região Norte tem uma contribuição maior de populações ameríndias? Ou será que é uma questão ambiental? Ou será que é tudo junto? Eu acredito que é uma soma de fatores, mas precisamos entender os fatores separadamente para depois ter um cenário mais próximo da realidade. O desafio é que o câncer apresenta uma grande janela assintomática até o surgimento do fenótipo clínico. No câncer gástrico (e no câncer em geral), há um intervalo de tempo de 20 a 30 anos desde o surgimento da primeira mutação até o aparecimento do câncer em si enquanto doença. Como é uma janela de tempo muito grande, nesse espaço de tempo podemos investigar molecularmente o que está acontecendo com o paciente que é mais suscetível a apresentar a doença (seja pelo histórico da doença na família ou por características da população a qual ele pertence que pode apresentar uma frequência elevada desse tipo de câncer). Então, eu identifico o processo da doença, utilizando marcadores de RNAs não-codificantes. Essa é a pesquisa que tenho trabalhado há 10 anos — RNAs não-codificantes.

Depois, do aprendizado com o desenvolvimento dessa linha de pesquisa, começamos a aplicar o mesmo raciocínio em doenças negligenciadas, que são importantes, mas ninguém estuda. Essas doenças são muito frequentes e de prevalência elevada na Região Amazônica. Um exemplo é a tuberculose. A tuberculose é mantida na população porque não conseguimos eliminar a doença. O motivo disso é que estamos sendo expostos a todo momento (e nosso sistema imunológico está sendo desafiado diuturnamente), e não se consegue quebrar esta cadeia de exposição. Uma das formas de quebrar essa cadeia é verificar quem está sendo exposto, quem pode adoecer e quem está doente. Essa mesma lógica também se aplica à hanseníase. Ela também é muito parecida no sentido de que é preciso quebrar a cadeia de transmissão. O problema é que a hanseníase (assim como o câncer) apresenta uma janela assintomática variável e grande para o surgimento do fenótipo clínico da doença. De forma geral, todos entram em contato com a bactéria (causadora da hanseníase). O sistema imune responde produzindo anticorpos necessários para não manifestar a doença. Só que às vezes uma pessoa pode ser exposta de uma forma tão excessiva que o seu sistema imune não consegue responder de forma adequada e adoece. Como dito anteriormente, o sistema imune está sendo constantemente desafiado. Dentro da perspectiva apresentada, a ideia é utilizar os RNAs não-codificantes (miRNAs, piRNAs, circRNAs, longRNAs, entre outros), que são responsáveis pelo controle da expressão gênica, no desenvolvimento de biomarcadores que identifiquem alterações nos mecanismos dessas doenças, antes que o paciente adoeça.

- Vários dos seus trabalhos envolvem genes não-codificantes. Eles são muito diferentes de RNAs produzidos por genes codificantes? Se sim, de que maneira?

Bem, eu não sei se posso dizer que são diferentes. A base é a mesma, são sequências de DNA. Mas o nosso conceito de gene mudou. Antigamente um gene era apenas uma sequência codificante composta por promotor, éxon e intron, mas hoje sabemos que ele é muito mais que isso. Esses RNAs não-codificantes também são produtos de genes, que lá na frente serão transcritos, porém podem ter ou não expressão elevada, mas em princípio não vão codificar uma proteína específica, mas vão regular todo aquele processo de expressão dos genes.

- A pesquisa com RNAs não-codificantes pode ajudar no desenvolvimento ou aprimoramento de tratamentos? Se sim, como?

Com certeza sim. Primeiro porque está mais do que na hora da Medicina mudar o seu paradigma de tratar — da medicina curativa. Precisamos determinar uma medicina preventiva e nos anteceder ao processo de adoecimento. Com isso, ganhamos qualidade de vida, diminuímos gastos com o SUS, leitos e terapias. Isso é muito importante. Com o estudo de RNAs não-codificantes, é possível buscar isso. Se entendemos como é o mecanismo, como controlá-lo e o quanto ele é importante para a expressão de um gene ou de muitos genes, podemos, a partir desse conhecimento, silenciar genes específicos através de CRISPr e modificar a ação da desregulação que acontece no processo de adoecimento.

- Para você, qual a principal dificuldade de pesquisar RNAs não-codificantes?

Primeiramente, a falta de dinheiro, pois para trabalhar com RNA você tem um gasto maior do que para trabalhar com DNA. Começa na coleta, que precisa ser uma coleta específica de boa qualidade, com um material que não vá degradar o RNA. Depois vem as análises, cujos custos também são elevados. Então o trabalho de bancada de laboratório, “a parte molhada”, é excessivamente caro. Eu diria que, em média, não se faz um RNA-Seq, dependendo da amostra, com menos de R$ 20.000,00 ou R$ 30.000,00, então é extremamente caro. Em compensação, na bioinformática temos apenas o investimento inicial num servidor bom e com isso os dados gerados podem ser processados, em contraste com a bancada, onde o gasto é contínuo.

- Para você quais são as perspectivas de futuras aplicações para essa área de estudo?

Eu acredito sinceramente que no futuro haverá chips ou painéis de expressão de uma determinada doença. Será possível testar um indivíduo com um conjunto de miRNAs ou circRNAs e saber se ele está num processo de adoecimento ou se ele já está doente. A partir daí, pode-se tomar as medidas terapêuticas cabíveis visando o melhor prognóstico, que é salvar o paciente, e proporcionar uma rápida recuperação e boa qualidade de vida.

Glossário:

CRISPr: Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats (Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas) são pequenas porções do DNA bacteriano compostas por repetições de nucleotídeos. Este termo é frequentemente utilizado para se referir a utilização de CRISPr juntamente com o sistema Cas9, uma técnica que permite a deleção seletiva de DNA.

miRNA: microRNAs (pequenas moléculas de ácido ribonucleico) são moléculas resultantes da transcrição de determinadas sequências de DNA, as quais são particularmente curtas, contendo entre 21 e 25 nucleotídeos.

circRNAs: circular RNAs são um tipo recentemente descoberto de RNA, caracterizado por ter um formato circular.