Profa. Raquel Cardoso de Melo Minardi
por Marília Almeida

Bioinformata, Cientista da Computação, Professora do Departamento de Ciências da Computação da UFMG relata sua trajetória como Bioinformata compartilhando suas inspirações, concepções e expectativas a respeito da participação de mulheres na área de Bioinformática.

- Gostaria que você se apresentasse e falasse um pouco de sua carreira profissional.

Eu agradeço o convite, pois acho esse trabalho que vocês fazem muito interessante para a Bioinformática, para divulgação e para atração de pessoas.

Meu nome é Raquel Minardi, atualmente sou professora do Departamento de Ciências da Computação da UFMG, sou bacharel em Ciências da Computação e me formei em 2004. Durante a graduação, eu conheci a Bioinformática através de um projeto de iniciação científica (IC), em 2003, quando o nosso programa de pós-graduação estava começando. Fui aluna de IC do aluno de doutorado Carlos Henrique da Silveira, ele foi uma pessoa extremamente importante para o meu ingresso na Bioinformática, pois apesar dele ser formado em Computação, ele havia feito metade do curso de Biologia e me apresentou a área de uma forma que me fascinou.

Em 2004, entrei para o doutorado em Bioinformática na UFMG, finalizei em 2008 e fui fazer um pós-doc na França, na agência CEA (agência francesa de energias atômicas e alternativas), no laboratório Genoscope,que é um laboratório de sequenciamento. Na época fui trabalhar com metagenoma do trato intestinal humano. Depois retornei para o Brasil e fiz o concurso para uma universidade do interior de Minas, em seguida fiz o concurso para UFMG e já estou a há 10 anos trabalhando na universidade.

- Qual era o cenário, em relação à participação de mulheres, na época de sua graduação em Computação e pós-graduação em Bioinformática?

A gente escolhe a carreira muito cedo e acaba sendo ao acaso. Antes da graduação, eu fiz o curso de Técnico em Informática no CEFET quando tinha 14 anos. Foi engraçado porque quem escolheu meu curso foi minha mãe. Na época eu queria fazer edificações e ela falou “Não! Informática tem um futuro muito melhor, vá fazer informática.” E assim eu fui.

Na época em que eu entrei no curso técnico, de 43 alunos haviam 13 mulheres, o que já foi um pouco diferente da escola, que tinha mais ou menos a mesma quantidade de meninos e meninas, mas isso não foi empecilho não. A gente tinha amizade com os meninos, tinha grupo de estudo.

Como eu já havia feito informática e já havia tido a experiência de experimentar antes, quando eu fui para a universidade já era bem certo que eu queria cursar computação mesmo. Na época da graduação, eram 40 alunos e 4 mulheres. Um cenário bem diferente comparado ao de outros cursos. Eu penso que isso deve assustar as meninas de hoje, pois se alguma delas pensar em entrar num curso no qual existem poucas mulheres, às vezes dá um certo medo e surgem alguns questionamentos como: “Por que não tem mulheres?” ou “Como vou ficar lá, sozinha?”. Mas, da mesma forma como ocorreu no curso técnico, nós tínhamos um grupo de amigos e de estudo que permaneceu por muito tempo. E nós tínhamos programas até bem divertidos: cinema nas quartas-feiras, campeonato de fliperama, alguns programas até meio masculinos, mas a gente se integrava, brincava e se divertia também.

É importante a gente falar hoje que a computação não é uma área masculina. As pessoas tendem a pensar que as exatas em geral, a matemática, engenharias, ciências, não são para meninas, que elas não têm a mesma aptidão; e isso não é verdade! É muito importante frisar isso, pois existem estudos que comprovam que biologicamente nós mulheres temos as mesmas aptidões para matemática que os homens. O que acontece e que talvez afaste um pouco as meninas dessas áreas é o estereótipo. Por exemplo, quando a gente assiste um seriado na televisão no qual tem uma pessoa que é muito fera em informática, geralmente, é uma mulher estranha, esquisita, antissocial. E as mulheres não se identificam com esse estereótipo, e na verdade, não tem nada disso.

Eu acho muito legal esses projetos que têm surgido na área de ciências que falam assim “Eu sou um cientista”. Porque muitas vezes a gente fica pensando que o cientista é uma pessoas excêntrica, que fica no laboratório debaixo de uma pilha de livros e não é assim. O cientista é como qualquer outra pessoa, a gente tem família, vai à praia, anda de bicicleta. E, às vezes, se tem essa ideia também sobre a computação, que é uma área difícil, mas não é.

Não tem de existir esse tabu, e eu tento muito trabalhar pra isso, inclusive tenho um curso de introdução à computação que parte da premissa de que qualquer pessoa pode começar a programar: menina ou menino de qualquer curso.

Eu recebo muitos e-mails com dúvidas de pessoas de outras áreas (química, agronomia, etc) que querem saber se podem programar, mesmo não sendo da área de informática. E eu sempre respondo que sim, que essa pessoa tem condição de programar. Não é um conteúdo facílimo, requer prática e resolução de exercícios, mas qualquer um é capaz. E as mulheres se saem muito bem!

- O que motivou você a fazer Bioinformática?

Costumo pensar que ser Bioinformata significa dizer que temos que aprender a forma com que o outro pensa, e algumas vezes não é tão simples assim. Então, fui motivada a entrar nessa área devido a possibilidade do conhecimento computacional aplicado.

Muitas pessoas da computação não gostam da computação aplicada por achar que isso não traz um avanço para a computação em si. Mas me encantou demais a possibilidade de usar o que eu sabia, o que tinha aprendido (algoritmos, modelos, ferramentas) para resolver problemas práticos. Existia essa carência na computação. Nós estudávamos, por exemplo, vários algoritmos para classificação e os aplicávamos em conjuntos de dados que não eram interessantes.

Quando eu percebi problemas em aberto na Biologia, na saúde, e que eles estavam esperando pelos algoritmos para ter uma possibilidade de solução, eu achei isso muito encantador. Enquanto algumas pessoas não gostam muito da computação aplicada, eu gosto bastante.

E eu ainda acho importante dizer que as pessoas pensam muitas vezes, principalmente, quem está de fora, que a Bioinformática é apenas uma área de aplicação da Computação e não é. Ela demanda muita coisa nova da Computação. Porque os problemas da Biologia são muito difíceis. A maioria dos problemas de Bioinformática são muito caros computacionalmente. Então, sempre vai existir uma demanda por novidades em termos de técnicas computacionais. E acredito que por isso a Bioinformática tende a crescer e eu tenho um desejo de atrair mais pessoas para essa área devido ao seu impacto e relevância no mundo.

Pensando nessa pandemia do novo coronavírus que estamos vivendo, tenho acompanhado diariamente grupos de pesquisa estudando e resolvendo estruturas proteicas, fazendo triagem de fármacos nas proteínas dos vírus, tentando fazer reposicionamento e isso tudo é Bioinformática. É trabalho computacional que precisa preceder os trabalhos experimentais porque não se consegue realizar experimento para tudo.

- Quais as linhas de pesquisa que você desenvolve em Bioinformática?

Meu grupo, por tradição, é um grupo de Bioinformática Estrutural com foco em análises de interações químicas (ligação de hidrogênio, interações hidrofóbicas, interações salinas, etc). Basicamente, nosso grupo tem interesse em diversos problemas que envolvam a interação entre biomoléculas (proteína-proteína, proteína-pequena molécula não protéica, etc), e no entendimento de como esse reconhecimento se dá e muitas vezes, em otimizar esse reconhecimento.

Trabalhamos com métodos computacionais para engenharia de enzimas. Nós propomos mutações em enzimas, fazemos predição de moléculas que poderiam interagir com uma proteína, trabalhamos também com problemas de biotecnologia, com problemas de saúde, etc. Portanto, se um professor/pesquisador de qualquer área tem um problema que acredita que a Bioinformática Estrutural pode trazer soluções interessantes, nós temos interesse em colaborar. Costumo resumir minha linha de pesquisa como um grupo que costuma resolver problemas biológicos que envolvam alvos protéicos por meio de técnicas computacionais.

- Quais as perspectivas que você vê atualmente para a atuação de mulheres em Bioinformática? O cenário mudou em relação aos anos anteriores?

Acredito que o cenário mudou um pouco sim. Quando concluí o doutorado, existia a ideia de que a gente tinha que defender o doutorado e fazer concurso. Eu acabei defendendo um pouco antes do prazo porque havia aberto um concurso. Depois, fui conversar com outras pessoas que me aconselharam a fazer um pós-doc e ter uma experiência fora. Quando eu retornei, há 10 anos, havia muitas vagas, e eu fiquei muito feliz porque havia muito concurso na época.

Atualmente, eu vejo assim: no Brasil, ainda é muito grande a proporção de Bioinformatas que estão na universidade, mas existem muitos profissionais também em centros de pesquisa (EMBRAPA, FIOCRUZ, INCA) e existem ainda outras possibilidades de trabalho, como pesquisador em Bioinformática fora da universidade. Inclusive, nós temos alunos que trabalham em laboratórios de análises clínicas na parte de testes diagnósticos que envolvem a análise do Genoma. E eu acho que essa área vai crescer ainda mais.

Temos que pensar que as coisas vêm mudando bastante, e hoje, existem várias pessoas indo para a iniciativa privada e a tendência é que isso cresça. E independente de ser homem ou mulher as vagas são para todos!

- Qual o maior aprendizado que você extrai de sua trajetória e que mensagem gostaria de deixar para as mulheres que entraram recentemente ou gostariam de entrar na área de Bioinformática?

Uma mensagem que eu gosto sempre de deixar para os meus alunos e para todo mundo é a questão da colaboração. Primeiro porque estamos em uma área de transição, multidisciplinar, onde navegamos entre várias áreas diferentes (computação, inteligência artificial, ciências biológicas, várias outras áreas relacionadas a saúde, biotecnologia). Então, é impossível para uma pessoa conseguir fazer um estudo realmente interessante, relevante e de impacto, sozinha. Ela precisa colaborar com pessoas de outras áreas para que aquele estudo realmente possa crescer e ter um impacto maior.

Para o meu grupo hoje, isso é bem natural: temos uma equipe constituída por químico, biofísico, pessoas que fazem engenharia genética, matemático, etc. Entretanto, eu percebo, ao conversar com outros colegas professores, que esse tipo de colaboração não acontece tanto; os laboratórios ficam muito fechados entre si e às vezes não colaboram com outros grupos.

Eu reforço que a colaboração é muito importante e acho que temos que fazer novas conexões e manter as conexões já existentes através de um comportamento ético prezando pelos colaboradores que temos. E isso não se vê com tanta frequência no meio acadêmico. Geralmente, enxergamos muita disputa, concorrência, e eu não consigo entender muito bem o porquê disso.