Helena Paula Brentani
por Renata Cavalcante

Helena Paula Brentani é Médica e Doutora em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professora do departamento de psiquiatria da USP. Tem experiência na área de Psiquiatria, com ênfase em Bioinformática, atuando principalmente nos seguintes temas: neurociências, transtornos do espectro autista, transtornos do neurodesenvolvimento, expressão gênica e genômica.

- Para iniciar a nossa entrevista gostaríamos de conhecer um pouco mais sobre suas linhas de pesquisa. Em que áreas você e seu grupo estão atuando no momento?

Atualmente eu trabalho basicamente com transtornos do neurodesenvolvimento. Principalmente Autismo e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade enquanto patologias. Mas também acompanho pessoas que estão em grupo de risco para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos na infância e adolescência. E dessa forma buscamos marcadores de diagnóstico precoce ou de risco que possam ser identificados ao longo da gestação, periparto* ou logo depois do parto.

- Em que momento da sua carreira como médica e pesquisadora se fez necessário o uso da Bioinformática?

Eu trabalhei na parte clínica por um período, e o que me chamava bastante atenção era a questão dos pais perguntarem, por exemplo, se existia risco dos seus filhos nascerem com transtornos do neurodesenvolvimento. Para contextualizar, primeiramente eu fui trabalhar com a parte de bancada a fim de estudar a parte genética dessas patologias, e logo percebi algumas coisas que me deixavam aflita. Uma delas, era a questão de se realizar estudos de associação com um único SNP, com um gene apenas, e é óbvio que comportamentos complexos como os transtornos do neurodesenvolvimento jamais poderiam ser determinados por um único elemento. Por isso comecei a buscar nas minhas pesquisas um olhar mais amplo, uma abordagem mais sistêmica. Na época, nem se falava nada sobre biologia de sistemas, e o que eu queria era justamente integrar vários aspectos do conhecimento para tentar ter a formulação de um modelo adequado para o meu interesse de estudo. E buscando essa integração é que fui trabalhar no Instituto Ludwig, onde tive minhas primeiras experiências com a área da Bioinformática.

- Para você, quais foram os principais desafios em unir a clínica com a Bioinformática?

O principal desafio é que são dois mundos muitos diferentes. Tanto na forma de pensar no problema, pensar na solução ou em o que é realmente importante para ser analisado. Acho que esse é um aspecto que eu tive que construir aos poucos durante a minha jornada acadêmica. Eu sempre tive uma facilidade muito grande com esquemas e raciocínio lógico, então nesse sentido isso facilitou a minha ambientação nesse novo mundo que é era a Bioinformática. Mas por outro lado essa questão do 1 e 0 tornava muito mais difícil a compreensão, desde o funcionamento da máquina até o próprio pensamento, nesse sentido de ser preto no branco. E a outra coisa é que eu não sabia nem ligar o computador, então tive que aprender a programar, usar mysql, trabalhar com banco de dados. No meu caso, foi mais diferente e impactante a abordagem que a Bioinformática traz consigo, e de como é montada a linha de raciocínio nessa área da ciência do que unir os meus resultados com a clínica.

- Pesquisas clínicas de modo geral usam desenhos experimentais simplistas focando em um único fenômeno ou objetivo. Na sua opinião como profissional da saúde e pesquisadora, como podemos melhorar esse cenário aplicando os conhecimentos da Bioinformática?

Na verdade, eu acho que o bom médico nada mais é do que um reconhecedor de padrões. Na Medicina somos treinados para fazer isso e você acaba fazendo uma integração de dados. O que acontece, que eu acho que é um ponto falho, é que durante o processo de aprendizado o estudante aprende os tópicos separados em caixinhas. A forma que se aprende na Bioinformática tem uma estrutura que o pessoal da Medicina não usa, e é como se essa forma não servisse para o diagnóstico médico. Só que se você for parar para pensar é a mesma coisa. Então, acho que isso é um aspecto muito importante a ser incorporado nas Ciências Médicas, seja a noção da integração, seja a noção de construção de banco de dados, seja a noção de uma visão sistêmica. Por exemplo, em psiquiatria, a gente não recebe um caso de depressão na mão, pois esse distúrbio é o produto de uma “circuitaria” cerebral mais mecanismos celulares. Ou seja, você trabalha com essa questão de fenômenos emergentes e nem sabe o que isso significa. Por isso eu acho que a integração da Bioinformática nas Ciências Médicas poderia ajudar muito a estruturar o conhecimento, e isso provavelmente faz com que o aluno se torne mais facilmente capaz de integrar áreas do conhecimento e não de ficar compartimentalizando-as.

- O que você costuma recomendar para seus orientandos ou para pessoas de cursos da área da saúde que estão começando a adentrar na área da Bioinformática?

Existem algumas coisas que eu sempre falo, seja para meus alunos ou para conhecidos. A primeira delas é que a pessoa tem que aprender a programar. Eu não acho que a pessoa vai ser do dia para noite “o programador”. Mas sim, buscar entender como ocorre o funcionamento das ferramentas e recursos a serem utilizados na Bioinformática, a lógica e a estrutura do pensamento da ferramenta de trabalho. Para que o profissional da área da saúde não se torne totalmente dependente de um programador e se torne mais autônomo. Uma coisa que eu sempre falo é que: uma coisa é você ser usuário de uma ferramenta de Bioinformática, outra coisa é ser um programador, mas tem um caminho nesse meio que pode ser percorrido, que é ter noções mínimas de como tal ferramenta está trabalhando a seu favor. O segundo aspecto é ter noções matemáticas, já que você pode acabar escolhendo modelos matemáticos errados para o tipo de dado que você tem, e dessa forma acabar enviesando os seus dados, implicando então em uma compreensão biológica não real do objeto de estudo.

- O que você espera para a área de Bioinformática nos próximos anos

Eu espero um boom, que na verdade já está ocorrendo. Mas eu acho que para que isso seja efetivo precisamos de cientistas, que realizem ciência de fato e não pesquisas de forma tão técnica. O que eu sinto em alguns profissionais é que falta maturidade do raciocínio científico. Dessa forma eu acho que se não tomarmos cuidado com isso, em refletir se o nosso ensino está realmente qualificando pessoas a formarem pensamentos que integrem dados e informações, estaremos perdendo o potencial da ciência brasileira. E essa é uma falha que está relacionada também com o aspecto de políticas educacionais. Nosso sistema de ensino pode acabar formando fragmentos de um pensamento científico, já que em um mestrado, por exemplo, o estudante tem apenas 2 anos para realizar uma pesquisa. Esse tempo muitas vezes pode não ser hábil para o desenvolvimento e amadurecimento do pensamentos científicos dos estudantes.

GLOSSÁRIO

Periparto: termo utilizado para o período próximo ao parto, indo desde o último mês de gestação até alguns meses após o parto.