O uso da Bioinformática na preservação de espécies
por Lana Patrícia

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O Brasil é o país que possui a maior cobertura de florestas tropicais do mundo com a maior concentração situada na região amazônica. Inclusive, sendo o país de maior diversidade biológica, possuindo de 15 a 20% dos 1,5 milhão de espécies descritas no planeta.

Na região Norte do país, especificamente no estado do Pará, está a Serra dos Carajás, região montanhosa localizada no sudeste do estado. A Serra dos Carajás possui uma grande diversidade de riqueza natural de recursos minerais. Nesta região há várias áreas de preservação, uma delas, chamada de Floresta Nacional de Carajás (Figura 1) foi criada em 1988, e abrange parte dos municípios de Parauapebas, Canaã dos Carajás e Água Azul do Norte.

Figura 1- Mapa da região de Canaã de Carajás delimitando a Floresta Nacional de Carajás.

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Figura 1: fonte: Mota et al., 2018.

Legenda: Mapa da Flona de Carajás, demonstrando a serra Norte e as respectivas áreas de conservação, bem como a serra Sul e as respectivas áreas de conservação.

A Floresta Nacional de Carajás é amplamente reconhecida devido às espécies animais e vegetais raras e/ou restritas que existem nesta região. Entre estas espécies está a planta Isoetes cangae (Figura 2), considerada como criticamente ameaçada de extinção. Na figura 2 se observam duas plantas, sendo Isoetes serracarajensis (lado esquerdo) e Isoetes cangae (lado direito).

Figura 2- Plantas Isoetes serracarajensis e Isoetes cangae.

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Figura 2: fonte: Nunes et al., 2018.

Legenda: Isoetes serracaranjensis (lado esquerdo) e Isoetes cangae (lado direito) em um aquário controlado na unidade laboratorial do ITV.

Os projetos de atividades industriais de mineração que ocorrem na Serra dos Carajás associam a produção mineral ao fortalecimento e garantia da preservação de espécies ao reunir estratégias para incorporar os pilares da sustentabilidade ao desenvolvimento ambiental, social e econômico.

Você já tinha ouvido falar de Isoetes cangae? Se sua resposta for não, vou te contar um pouquinho sobre ela: Esta planta é muito mais resistente do que parece, e diferente de outras, a Isoetes cangae faz como diz o ditado “Se a vida lhe der pedras, faça um altar”, pois bem, o ambiente de Carajás é constituído por grandes formações de rochas de ferro e a planta adora o ecossistema da região. A Isoetes cangae vive totalmente submersa, e você só encontra ela no lago do Amendoim, crescendo entre as rochas. Este lago é situado na área de preservação da Floresta Nacional de Carajás, mais especificamente na Serra Sul, onde há grande acúmulo de minérios nas rochas logo abaixo do lago (Figura 3).

Figura 3- Formações rochosas e minerais da região do lago do Amendoim.

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Figura 3: fonte: Sahoo et al., 2016.

Legenda: Mapa laterítico de formações rochosas, mostrando a região em que se situa o lago do Amendoim.

A região de habitat de Isoetes cangae possui formações rochosas, baixo teor de nutrientes, alto grau de radiação e altas temperaturas que causam capacidade diminuída de retenção de água do solo, além do ponto mais curioso: elevadas taxas de concentração de metais potencialmente tóxicos.

E qual seria a problemática deste local? Simples, os metais pesados podem induzir a inibição de enzimas que funcionam como trabalhadores essenciais na manutenção da saúde da planta, e com a atividade enzimática danificada, pode ocorrer oxidação celular, perturbação metabólica, retardação de crescimento e morte.

O curioso desta situação é que mesmo diante de tantos empecilhos, Isoetes cangae sobrevive, ou seja, as plantas da região conseguiram se adaptar e colonizar os solos de canga, e uma das maneiras que encontraram de fazer isso foi através da estratégia ecológica de tolerância ao estresse. A planta Isoetes cangae, assim como outras, consegue tolerar a presença de metais pesados, o que pode variar em função da concentração e da sensibilidade de determinadas espécies. Dessa forma, este mecanismo de tolerância aos metais pode ser realizado por meio da seleção de genótipos tolerantes ao longo do tempo de evolução das plantas. Então de que forma a bioinformática pode auxiliar na sobrevivência desta planta? Através do avanço de técnicas da biologia celular, várias tecnologias são utilizadas para produzir bancos de dados biológicos que, atrelados à bioinformática, constroem informações sobre todos os componentes e mecanismos celulares de um organismo, ou mesmo de um conjunto de organismos. Estas tecnologias são amplamente conhecidas como “ômicas” e seus derivados: genômica, transcriptômica, proteômica e metabolômica, entre outras (Figura 4).

Figura 4- Tecnologias Ômicas utilizadas na análise molecular de plantas.

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Figura 4: fonte: Sahoo et al., 2016.

Legenda: Tecnologias “ômicas” e suas aplicações.

Estas tecnologias podem fornecer a identificação de genes e proteínas de grande relevância para que se possa compreender e identificar, diferentes genótipos que possuem relação de tolerância a estresses em plantas. Na preservação da espécie de Isoetes cangae, foram focadas nas análises de proteômica, já que ela possibilita, além da descoberta das características genéticas das plantas, a identificação das vias bioquímicas e respostas das plantas aos estresses bióticos ou abióticos, haja vista que por meio da proteômica, são identificados e quantificados os produtos dos genes: as proteínas, ou seja, a parte funcional dos genes (Figura 5).

Figura 5- Significância de estudos Ômicos baseados na elucidação nanopatoxicológica em plantas superiores.

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Figura 5: fonte: Singh et al., 2017.

Legenda: A significância das tecnologias “ômicas” no estudo molecular de plantas.

Dessa forma, ao se analisar a planta em diferentes condições ambientais, é possível comparar a expressão proteica de Isoetes cangae para identificar qual o melhor ambiente - segundo a planta - posto que apenas podemos “ouvi-la” ao analisarmos as proteínas produzidas por seus genes. Assim, ao se identificar as proteínas presentes no meio do habitat da planta, é possível evitar ou mesmo contornar as condições estressantes, inclusive fornecendo insumos que sejam necessários para que a planta permaneça saudável e constante.

Esta abordagem é de extrema importância para que Isoetes cangae possa se adaptar a novos ambientes, o que notavelmente poderia reduzir o risco de extinção da espécie. As análises sobre a genética da planta, com foco em estratégias de conservação, certamente contribuem para a manutenção da biodiversidade.

Estes tipos de estudos para propagação e desenvolvimento de espécies de Isoetes cangae têm sido desenvolvidos no Instituto Tecnológico Vale de Desenvolvimento Sustentável (ITV-DS), visando à caracterização morfológica, fisiológica e genética da espécie para garantir a preservação de Isoetes cangae.

Glossário

Genótipo: Composição genética de um indivíduo, mais frequentemente a respeito de um gene ou grupo de genes.

Estresse Biótico: Estresses que podem ser causados por organismos vivos, como insetos e microrganismos.

Estresse Abiótico: Estresses como temperatura, irradiação e deficiência hídrica.

Endêmica: Espécies endêmicas são aquelas condicionadas a determinada área para sobrevivência.

Referências

MOTA, Nara Furtado de Oliveira et al. Cangas da Amazônia: a vegetação única de Carajás evidenciada pela lista de fanerógamas. Rodriguésia, v. 69, p. 1435-1488, 2018.

NUNES, Gisele Lopes et al. Quillworts from the Amazon: A multidisciplinary populational study on Isoetes serracarajensis and Isoetes cangae. PloS one, v. 13, n. 8, p. e0201417, 2018.

SAHOO, Prafulla Kumar et al. Geochemistry of upland lacustrine sediments from Serra dos Carajás, Southeastern Amazon, Brazil: implications for catchment weathering, provenance, and sedimentary processes. Journal of South American Earth Sciences, v. 72, p. 178-190, 2016.

KALIA, Anu; SHARMA, Sat Pal. Single-Cell Omics in Crop Plants: Opportunities and Challenges Single-Cell Omics, p. 341-355, 2019.

SINGH, Shweta et al. Understanding the plant and nanoparticle interface at transcriptomic and proteomic level: a concentric overview. Plant Gene, v. 11, p. 265-272, 2017.

LANSDOWN, R. V. Isoetes cangae. The IUCN Red List of Threatened Species 2019

SHARMA, Shanti S.; DIETZ, Karl-Josef. The relationship between metal toxicity and cellular redox imbalance. Trends in plant science, v. 14, n. 1, p. 43-50, 2009.

NUNES, Jaquelina A. et al. Soil-vegetation relationships on a banded ironstone'island', Carajás Plateau, Brazilian Eastern Amazonia. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 87, p. 2097-2110, 2015.

MAESTRI, Elena et al. Metal tolerance and hyperaccumulation: costs and trade-offs between traits and environment. Environmental and Experimental Botany, v. 68, n. 1, p. 1-13, 2010.

NEGREIROS, Daniel et al. CSR analysis of plant functional types in highly diverse tropical grasslands of harsh environments. Plant ecology, v. 215, n. 4, p. 379-388, 2014.

CAMPOS, J. F. et al. Uma visão geográfica da região da Flona de Carajás. Floresta Nacional de Carajás: Estudos sobre vertebrados terrestres. Nitro Imagens, São Paulo, p. 28-63, 2012.

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