Primeiro sequenciamento completo de um cromossomo autossomo humano
por Renata Cavalcante

Cromossomo Humano 8 preenche lacunas no genoma referência

Após 20 anos da divulgação do primeiro rascunho do genoma humano na edição de 15 de fevereiro de 2001 da Nature, temos o primeiro sequenciamento completo de um cromossomo autossomo humano, também divulgado na Nature. O trabalho intitulado The structure, function and evolution of a complete human chromosome 8 além de solucionar um gap de 3.334.256 bases no atual genoma humano de referência (GRCh38), traz em seu conteúdo importantes informações sobre a história evolutiva do centrômero do cromossomo 8 ao longo dos últimos 25 milhões de anos.

De acordo com os pesquisadores, o sequenciamento completo do cromossomo 8 fornece informações que podem melhorar, por exemplo, a compreensão do que predispõe partes específicas do DNA que estariam relacionadas a microdeleções associadas a implicações como atraso no desenvolvimento, malformações cerebrais e cardíacas, e problemas auto-imunes como psoríase e a doença de Crohn. O grupo também pôde obter mais informações sobre uma parte do cromossomo 8 que contém algumas das maiores variabilidades em número de cópias entre os seres humanos, onde a unidade de repetição pode variar de 53 a 326 cópias.

O trabalho mostrou que o cromossomo autossomo humano 8 possui em sua sequência, de telômero a telômero, um total de 146.259.671 de bases. Além da montagem do cromossomo humano 8, os pesquisadores também conseguiram construir rascunhos de alta qualidade para centrômeros de outras espécies de primatas como: chimpanzé, orangotango e o macaco rhesus. E foi graças a integração dos dados desses organismos que foi possível realizar o mapeamento da história evolutiva do centrômero do cromossomo 8 humano.

A partir de análises comparativas e filogenéticas os pesquisadores puderam inferir, a nível molecular, que a estrutura do centrômero evoluiu de um grande macaco ancestral e consiste em cinco grandes camadas evolucionárias que mostram simetria espelhada, na qual repetições mais antigas de ordem superior localizam-se mais perifericamente.

Esquema mostrando a composição do centrômero do cromossomo autossomo humano 8 Figura: a) Esquema mostrando a composição do centrômero do cromossomo autossomo humano 8. A região centromérica consiste de um satélite HOR de 2.08-Mb D8Z2 α flanqueado por regiões de satélites α monoméricos e/ou divergentes intercalados com retrotransposons, β-satélite e γ-satélite. A matriz HOR do satélite D8Z2 α é fortemente metilada, exceto por uma região de 73 kb hipometilada, que está contida dentro de um domínio de cromatina CENP-A de 632 kb. **Heatmap de identidade de sequência emparelhada indica que o centrômero é composto de cinco camadas evolutivas distintas (setas tracejadas). Fonte**: https://doi.org/10.1038/s41586-021-03420-7

Lendo estudos como esse podemos nos perguntar o porquê da demora de duas décadas para o primeiro sequenciamento completo de um cromossomo autossomo humano.

A resposta para essa pergunta se assemelha com o que vimos no sequenciamento do Australian lungfish (o animal com o maior genoma já sequenciado). Mais uma vez, temos que nos lembrar que o sequenciamento completo deste e da maioria dos outros cromossomos humanos ou de outras espécies não puderam ser realizados até recentemente devido às tecnologias de sequenciamento utilizadas, pois os métodos existentes apresentavam uma certa dificuldade em sequenciar e montar grandes áreas genômicas com alto teor repetitivo. Assim como no caso do genoma do Australian lungfish, montar esses grandes quebra-cabeças com alto teor de regiões repetitivas de forma precisa a partir de short-reads de DNA é um processo extremamente difícil. Por isso, para a montagem do cromossomo 8 foram utilizadas tecnologias sequenciamento long-read e ultra-long-read.

Com a montagem do cromossomo autossomo humano 8 concluída, os pesquisadores abrem caminho para novos estudos e outras montagens completas de cromossomos autossomos humanos. E de fato, sequenciar mais cromossomos é o objetivo do grupo de pesquisa. Adam Phillippy, Phd, investigador sênior no ramo de genômica computacional e estatística do National Human Genome Research Institute Home (NHGRI) e autor do artigo twittou: "Fique atento para que muitos mais venham do consórcio Telomere-2-Telomere nos próximos meses. Dois já foram (cromossomo X e cromossomo 8), faltam 22!"

E o grupo do Adam Phillippy publicou no dia 27/05/2021 um preprint no BioRxiv intitulado The complete sequence of a human genome onde os pesquisadores finalizaram a primeira sequência de 3.055 bilhões de pares de bases (bp) verdadeiramente completa de um genoma humano, representando assim a maior melhoria para o genoma referência humano desde o seu lançamento inicial em 2001. Mas a matéria com esse novo marco do genoma humano ficará para a nossa próxima edição do TeD.


Glossário:

  • Telômero: formam as extremidades dos cromossomos e são constituídas por fileiras repetitivas de proteínas e DNA não codificante. Possui como função principal impedir o desgaste do material genético e manter a estabilidade estrutural do cromossomo.
  • Centrômero: região mais condensada do cromossomo, normalmente localizada no meio dessa estrutura, onde as cromátides-irmãs entram em contato. Essa estrutura está envolvida na divisão celular mediante o fuso mitótico.
  • Short-reads: fragmentos de 75 a 400 pares de bases gerados por técnicas de sequenciamento de segunda geração.
  • Long-reads: fragmentos de 10.000 a 100.000 pares de bases gerados por técnicas de sequenciamento já consideradas de terceira geração.
  • Ultra-long-reads: fragmentos com mais de 100.000 pares de bases gerados por técnicas de sequenciamento de terceira geração.

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Referências: