Como os genes determinam o seu rosto?
por Tayná Fiúza

Cada rosto na figura abaixo têm estruturas diferentes, um ainda em desenvolvimento e todos influenciados por genes. Os cientistas ainda não sabem explicar a totalidade dos genes envolvidos na aparência facial de seres humanos e nem os limites da influência de tais genes, mas uma pesquisa publicada em dezembro de 2020 aponta uma centena de variantes genéticas (dentre as estimadas milhares) responsáveis por essas características. Estaríamos mais próximos de estimar as possíveis sequências genéticas por trás desses rostos gerados por inteligência artificial?

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Figura 1: Nenhum dos rostos nessa imagem são de pessoas reais, de acordo com os criadores do algoritmo de inteligência artificial cujos resultados estão disponíveis em thispersondoesnotexist.com

A revista Nature publicou o resultado da análise feita por antropólogos, biólogos e bioengenheiros de instituições americanas, belgas, britânicas e australianas no qual são identificadas cerca de 130 regiões cromossômicas associadas a diferentes aspectos da estrutura facial. Os dados genômicos e as imagens tridimensionais referentes a cerca de oito mil indivíduos foram obtidos de conjuntos de dados britânicos e americanos.

Para entender fenômenos tão importantes quanto a morfologia de estruturas complexas, como a facial, são necessários métodos que permitam visualizar variantes genéticas individuais que contribuem para variação, mas também as interações entre elas. Desse modo, através de estudos que coletam informações genômicas e fenotípicas de um grande número de indivíduos (GWAS, genome-wide association studies) é possível buscar por regiões do DNA que aparecem com maior frequência em indivíduos de um determinado grupo.

Estudos anteriores já haviam visto 100 regiões em associação com as diferentes estruturas do rosto de indivíduos saudáveis. Mas existe aí um problema - ser capaz de associar variações genotípicas com características fenotípicas depende de um conhecimento prévio e discernimento das possíveis variações fenotípicas.

Para ver padrões, primeiro se devem enxergar as diferenças

A solução apresentada pelos autores foi aplicada pelo próprio grupo num estudo anterior, com um número menor de indivíduos, e consiste em uma abordagem em que dados de imagens tridimensionais da face são exploradas para a definição dos fenótipos. Um outro ponto importante é que tais informações foram usadas para desvendar os efeitos da genética na forma do rosto dos indivíduos em diferentes níveis, desde o mais global ao mais local (veja figura 2).

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Figura 2: Imagem do artigo anterior em que as áreas da face são divididas de 1 a 63 em cinco níveis de especificidade ou sub localização. Os segmentos correspondentes aos números estão coloridos em verde e cada segmento se subdivide em outros dois. Fonte: https://www.nature.com/articles/s41588-018-0057-4/figures/1

Observe que o segmento 2 (sub-segmento de 1) compreende a região do nariz e imediações, além da região do lábio superior. O segmento 3, enquanto outro sub-segmento de 1, compreende as demais regiões do rosto. Todas as subdivisões seguem esse padrão, o segmento 4 contém a região do lábio superior e o segmento 5 a região do nariz, já que são sub-segmentos de 2.

Com os dados de cerca de oito mil indivíduos e usando as estratégias acima descritas, além de técnicas de análise multivariada foram identificados 203 sinais associados a variados fenótipos dentro da morfologia facial saudável. Além disso, alguns desses loci identificados possuem genes envolvidos com síndromes craniofaciais e que não haviam sido descritos anteriormente em estudos GWAS para morfologia saudável. O que é ainda mais original, 53 dentre os sinais totais se encontram em regiões nunca antes atribuídas ao desenvolvimento facial ou a doenças. Uma visão geral dos resultados obtidos é sumarizada na figura 3.

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Figura 3: No centro há um esquema semelhante ao da figura 2, contudo, os segmentos levam diferentes tons de acordo com sua origem: tons quentes para os segmentos derivados da região 2 e tons frios para os segmentos derivados da região 3). As cores dos segmentos correspondem às cores dos quadrantes explicados adiante. Fonte: https://www.nature.com/articles/s41588-020-00741-7/figures/1

Na metade esquerda do círculo da Figura 3 vemos os diferentes quadrantes em que estão distribuídos os segmentos. Se uma variante de único nucleotídeo (SNP) tem significância estatística nos dados observados e o p-valor mais baixo dela é identificado em um determinado segmento, uma barrinha é adicionada aos histogramas. As barrinhas internas ao círculo correspondem a meta análise dos dados do Reino Unido e as barrinhas externas, aos dos Estados Unidos.

Já na direita do círculo da Figura 3, vemos o -log10 dos p-valores computados para os diferentes cromossomos. Mais uma vez, os dados do Reino Unido estão na parte interna e os dos Estados Unidos estão na parte externa. As linhas indicam o mínimo de significância a nível de genoma (vermelha) e de estudo (preto).

As 203 variantes significativas obtidas foram também cruzadas com sinais de acetilação da H3K27 (lisina 27 da histona 3) de promotores de genes ativos e enhancers ativos de cerca de 100 tipos celulares e tecidos. Diversos sinais de acetilação ocorreram em regiões muito próximas dos SNPs, especialmente para a linhagem celular CNCC (células da crista neural craniana, cranial neural crest cell) e tecidos craniofaciais. O mesmo não foi observado para 203 variantes não-significativas de frequência alélica e distância para o gene mais próximo similares às SNPs significativas.

Foi observado que as variantes encontradas como importantes para o fenótipo facial possuem diversos enhancers importantes durante o desenvolvimento do rosto - tal conclusão foi obtida pela comparação das 203 variantes (SNPs) significativa com dados de ativação de promotores e enhancers de genes em diferentes tipos celulares e tecidos. A comparação demonstrou que diversos SNPs ocorriam próximos desses sinais de ativação especificamente nas linhagens de células da crista neural, um grupo temporário de células que surge para dar origem a diversas outros tipos celulares como: células da pele, dos ossos, do músculo liso, de neurônios periféricos e gastrointestinais e da cartilagem craniofacial. Outro grupo de células com bastante associação entre localização de variantes e ativação de genes foram as células do tecido craniofacial embrionário, o que reforça este ponto.

Em algumas regiões genômicas observou-se uma influência de múltiplas variantes. São 24 loci observados com múltiplas variantes significativas associadas a diferentes fenótipos faciais. Houve ainda uma breve análise da interação entre genes na definição da variação facial. Através da modelagem de equações estruturais, uma técnica estatística de análise multivariada, foi possível identificar quatro combinações de variantes com co-influência ou epistasia. As variantes estavam presentes nos seguintes pares de genes: ALX4-HMGA2, PRDM16-GLI3, PKDCC-SLCO2A1, GATA2-SNTB1.

De fato, parecemos cada vez mais próximos de compreender a formação das estruturas faciais e as interações entre os genes importantes para seu desenvolvimento. A abordagem utilizada aliada a ferramentas de bioinformática traz a possibilidade de análises mais profundas em dados semelhantes.


Glossário:

Genotípicas: Referente ao genótipo, que é a composição genética de um indivíduo. Por genótipo pode se entender um conjunto completo de genes ou um conjunto de tipo específico responsável por uma característica - alelos, variações de genes, entre outros.

Fenotípicas: Referente ao fenótipo, uma diferença observável nas características de um ser vivo. Pode se tratar de uma diferença na aparência, no desenvolvimento, no comportamento, nos sons, entre outros. Características observadas através de experimentos e análises laboratoriais também são fenótipo. O fenótipo é determinado pelo genótipo e pelo ambiente que influencia estes genes. Exemplos de fenótipo são: tamanho de asa, cor da pelagem, número de dedos, níveis hormonais.

Enhancer: Sequências de DNA com capacidade regulatória que, quando ligadas a fatores de transcrição, aumentam a transcrição de um determinado gene. Elas podem estar próximas do gene que regulam ou a milhares de pares de base de distância, já que, quando o DNA está enovelado, um enhancer pode ficar próximo de diferentes sequências.


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Referências

White, J.D., Indencleef, K., Naqvi, S. et al. Insights into the genetic architecture of the human face. Nat Genet 53, 45–53 (2021). https://doi.org/10.1038/s41588-020-00741-7

Claes, P., Roosenboom, J., White, J.D. et al. Genome-wide mapping of global-to-local genetic effects on human facial shape. Nat Genet 50, 414–423 (2018). https://doi.org/10.1038/s41588-018-0057-4


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