Profa. Mariana Torquato Quezado de Magalhães
por Renata Cavalcante

Mariana Torquato Quezado de Magalhães é Engenheira Agrônoma e possui doutorado em Biologia Molecular com ênfase em Bioquímica pela UnB. Realizou pós-doutorado no University of Connecticut Health Center (UCHC) e na UFRJ. Atualmente é professora adjunta da UFMG e atua em projetos de pesquisa que abrangem espectrometria de massa, sequenciamento e análise conformacional de peptídeos, estrutura e dinâmica de proteínas e ressonância magnética nuclear.

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- O que são peptídeos bioativos?

R.: - Peptídeos bioativos são segmentos proteicos curtos, que podem desempenhar diversos papéis em mecanismos biológicos. Por exemplo, um peptídeo bioativo pode reconhecer especificamente um alvo celular, ativando uma via bioquímica. Podem também promover de forma indireta um efeito antitumoral, ativando a resposta imune do organismo contra células tumorais. Em contrapartida, certos peptídeos podem atuar nas células de forma a exercer um efeito citotóxico, por meio da interação com componentes citosólicos. Essas moléculas podem ser quimicamente sintetizadas e modificadas de maneira a melhorar sua estabilidade e atividade in vivo.

- De que forma entender as estruturas e funcionalidades dos peptídeos bioativos pode fornecer insights no desenvolvimento de compostos imunobiológicos?

R.: - Quando estudamos a interação entre moléculas, tentamos entender especificamente como os peptídeos bioativos, que normalmente são peptídeos membranoativos, se ligam à membrana dos hospedeiros e como eles desencadeiam o mecanismo de invasão ao organismo em questão. Dentro desse processo de invasão podemos verificar se as ações do peptídeo seriam causar lise, ou se eles se ligam a algum alvo intracelular levando a célula à apoptose. Para isso, nós trabalhamos com modelos miméticos, onde simulamos o ambiente de membrana para tentar entender a atuação do peptídeo na célula alvo. Além disso, um assunto no qual temos investido é a busca por atividades que chamamos de atividades encriptadas dentro de sequências de proteínas já conhecidas e principalmente naquelas proteínas que a gente supostamente acha que não tem nenhum tipo de atividade.

- Existe na literatura relato de peptídeos bioativos bacterianos agindo em membranas de outras bactérias?

R.: - Existem muitos relatos na verdade. As membranas de bactérias Gram-positivas e bactérias Gram-negativas são muito diferentes entre si, e mesmo dentro de um mesmo grupo existem variações, por exemplo, membranas com mais Lipopolissacarídeo, ou com mais cardiolipina. Então, existe o peptídeo que é secretado e o sistema de injeção desses peptídeos bioativos. Algumas bactérias conseguem por meio desse sistema de injeção jogar o peptídeo para dentro de outras bactérias, então o processo é mais complexo do que parece. Existe peptídeo antimicrobiano de bactéria, de humano, de planta, de fungo. O próprio fungo Thrichoderma produz uma série desses peptídeos que são não ribossomais e que ele usa para se defender de outros fungos, sendo inclusive um modelo muito usado para controle biológico.

- No seu grupo de pesquisa existe alguma linha que esteja relacionada a estrutura de compostos que possam facilitar esse processo de entrega do fármaco a células alvo? Quais resultados você pode compartilhar conosco?

R.: - A grande inovação do que a gente vem desenvolvendo é procurar atividade direcionada, seja de peptídeos que atuam em membranas específicas, que é o mais difícil, ou peptídeos que conseguem ultrapassar membranas de determinados microrganismos e ter alvos intracelulares em tipos celulares específicos. E uma coisa que temos buscado é o sistema de delivery, que nada mais é que uma maneira de jogar o peptídeo para o meio celular. Esse delivery envolve diversos questionamentos, indo desde de como é que a gente envia o peptídeo a como fazer com que ele tenha ação naquele tipo celular específico. Imagina, se você pensar no pH, um peptídeo administrado via oral teria que passar por todo o pH do sistema digestório. Por isso, quanto mais específico for, melhor. O que facilita o processo é que alguns sistemas de delivery já são mais conhecidos. E a maioria dos grupos que trabalham com isso costumam usar lipossomos para o delivery, enquanto que nós temos dois trabalhos publicados que relatam a ligação de nanopartículas de alumina aos peptídeos. E agora queremos fazer a adsorção desses peptídeos em nanotubo de carbono. Essa é uma linha de pesquisa nova dentro do nosso grupo, mas na qual nós já estamos tendo algum sucesso. Inclusive quando pensamos em células antitumorais, um dos alvos hoje é realizar o ataque ao receptor de ácido fólico. Então, o que temos realizado é fazer rotas de vias de síntese do peptídeo relacionadas a rotas do ácido fólico. Às vezes não queremos nem um peptídeo que seja membranoativo, mas sim um peptídeo que penetra na célula. E se ele conseguir bloquear um receptor de ácido fólico seria o cenário ideal. Esse mecanismo é uma das coisas que a gente vem tentando fazer no nosso grupo de pesquisa.

- Sabe-se que a existência de peptídeos bioativos em certos grupos de organismos em detrimento de outros coexistentes de longa data, pode auxiliar na reconstrução da história evolutiva dos grupos em questão, como também de outros. Quais foram suas principais hipóteses e observações para iniciar o estudo de peptídeos bioativos nos seus organismos modelos?

R.: - Na verdade todo o trabalho que eu faço hoje começou a partir desses questionamentos, pois na época estudávamos a história dos anfíbios a partir das proteínas de defesa deles. Por serem os primeiros vertebrados a ocupar o ambiente terrestre, os anfíbios guardam um grande número de informações ancestrais. Os anfíbios possuem todos os peptídeos do sistema imune inato, sendo que frações “escondidas” desses peptídeos são observadas no proteoma de várias outras espécies. Eu não acredito na aleatoriedade desse fenômeno. Mesmo que sejam 10 em 20 resíduos de aminoácidos, seria muita coincidência que tivesse ocorrido em vários organismos de forma aleatória, e quando você vai atrás dessa informação você vê que ela realmente existe.

- Para finalizar, quais são suas perspectivas para os próximos anos?

R.: - Estamos numa época financeira bem difícil. E na verdade eu acho que o importante agora é ser criativo. Ter ideias boas, para não fazer mais do mesmo, e conseguir olhar para os dados já obtidos e tirar algo legal. Eu hoje tenho seis alunos, cada um trabalhando em uma linha diferente da outra, mas minha perspectiva é formar o grupo dentro da visão de um Biólogo estrutural e estudar as propriedades físico-químicas das moléculas do nosso interesse.