Profa. Ana Maria Benko Iseppon
por Renata Cavalcante

Ana Maria Benko Iseppon é Bióloga, possui doutorado em Ciências Naturais pela Universidade de Viena (Áustria). Realizou pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP), na Alemanha e na Inglaterra trabalhando sempre na temática da genética vegetal. Atualmente é professora titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atua em projetos de pesquisa que abrangem temas como evolução de grandes grupos de plantas, ômicas de espécies vegetais e mecanismos de defesa em plantas da Caatinga contra estresses bióticos (patógenos e pragas) ou abióticos (seca e salinidade).

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- Como surgiu o seu interesse e de seu grupo de pesquisa em trabalhar com Bioinformática, e qual era o cenário na época?

R.: - Então, tudo começou em 1999 quando eu fiz o meu segundo pós-doutorado em Frankfurt, na Alemanha, no grupo do professor Günter Kahl. Lá eles trabalhavam nessa área de defesa vegetal, então o meu contato com Bioinformática começou com esse grupo, porque eles já faziam sequenciamento e análises com a Bioinformática. E quando voltei para o Brasil no ano de 2000, foi um ano muito importante para Bioinformática no país, pois foi neste ano em que saíram os primeiros genomas. Neste contexto, minha primeira atuação nesta área aqui no Brasil foi com o genoma da cana-de-açúcar (Saccharum spp.), o SUCEST*, que na verdade foi um transcriptoma baseado em ESTs*, e nós fomos o único grupo fora da região sudeste que trabalhou nesse transcriptoma. Posteriormente, eu trabalhei também no transcriptoma do eucalipto, que foi pela rede FORESTs*, e então começamos a sequenciar os nossos próprios transcriptomas. Inicialmente, com um projeto nosso que ficou em primeiro lugar no primeiro edital Renorbio da região Nordeste que era o transcriptoma do feijão-caupi e desde então a gente trabalha com vários transcriptomas vegetais. Temos transcriptoma inclusive de duas plantas nativas da Caatinga que são consideradas plantas extremófilas, ou seja, plantas que sobrevivem em ambientes extremos, em situações inconcebíveis onde quase nenhum outro organismo vegetal sobreviveria. Uma destas plantas é uma espécie introduzida, a Calotropis procera, que é uma planta que a gente sempre brinca que ela cresce até em cima de pedra. Nós temos interesse nela e estamos inclusive trabalhando com vários de seus patógenos. Além disso, nós estamos começando a analisar também os microbiomas dessas plantas extremófilas, que são bastante adaptadas, pois queremos entender de forma mais holística essa questão da resistência e da tolerância. Nosso grupo foca tanto em espécies nativas como em espécies cultivadas na Caatinga, e trabalhamos com transcriptomas e genomas vegetais. No momento nós temos 12 genomas sequenciados, e de um tempo para cá, estamos entrando na área de análise de fitopatógenos, bactérias que provocam doenças importantes em plantas aqui da região Nordeste. Então ao todo são mais de 150 genomas que estão sendo gerados, e nós estamos com uma média de 70 genomas no momento já disponíveis para análise.

- E nas linhas de pesquisa do seu laboratório, quais são os principais problemas ou questões que vocês tentam resolver utilizando o método da transcriptômica?

R.: - Uma das coisas que a gente faz são as análises mais globais. Nós temos, além da análise dos DEGs, que são os genes diferencialmente expressos, um interesse especial por genes que não possuem uma função predita ainda, os unknown, e por genes órfãos. Temos interesse em anotar nesses transcriptomas os transcritos que na verdade não são da planta em questão e que possivelmente são dos seus simbiontes. Estamos atualmente na tarefa de tentar filtrar essas informações. E nós temos um interesse especial em várias famílias gênicas, algumas envolvendo patentes, como os peptídeos antimicrobianos. No momento temos investido bastante nisso, inclusive nós já temos alguns desses microorganismos patenteados em virtude do seu potencial na produção de antibióticos de nova geração.

- Existe algum problema ou limitação que o seu grupo enfrenta ao lidar com dados de transcriptômica?

R.: - Com dados de transcriptômica temos menos problemas na verdade. O que temos enfrentado são na verdade dificuldades às vezes logísticas e acho que isso é um problema geral. Estava agora mesmo em uma reunião com grupo da Bioinformática da UFPE comentando que aqui no Brasil a gente nada contra a corrente. Atualmente não estamos em uma situação boa. Por exemplo, nós temos dados rodando com um grupo do Canadá, com o pessoal da UFMG, em Luxemburgo, e no Santos Dumont, o nosso supercomputador do LNCC. E nós temos uma dificuldade muito grande porque a gente também tem um trabalho com a questão de modelagem dinâmica de proteínas específicas que queremos entender melhor e esses dados são dados muito pesados, então é bem difícil o custo computacional de analisar esses dados. O outro problema é que os alunos da graduação não tem, pelo menos aqui na UFPE, ainda uma formação boa e específica no que diz respeito à Bioinformática. Então, agora aqui na UFPE será iniciado um novo currículo acadêmico e eu acho que com isso talvez essa questão melhore um pouco. E temos o problema da limitação financeira. Agora estamos numa época em que nós vamos ter poucas bolsas, então eu acho que a gente terá sérias dificuldades para tocar essas pesquisas. Nós temos mais de 80 diferentes tratamentos de transcriptômica sequenciados e que a gente gostaria de explorar a fundo esses dados, que infelizmente talvez não vão progredir como deveriam por falta de mão de obra e por falta de recurso para experimentos de bancada e validações necessárias das análises.

- Na sua opinião, o que poderia ser feito para amenizar ou até mesmo resolver alguns desses problemas levantados? Por exemplo, você comentou anteriormente sobre a mudança na grade curricular que já facilitaria essa questão dos recursos humanos. Quais outras ações poderiam ser realizadas?

R.: - Sim, isso é uma solução boa, inclusive eu estava nessa comissão da nova grade da do curso de Biologia da UFPE, e teremos uma ênfase em Bioinformática no curso. No entanto, outras questões não dependem só da gente. O que temos tentado fazer, e que eu considero ser a melhor solução na época de crise financeira como a nossa, são as parcerias. A gente resolve muitas coisas ajudando os outros e pedindo ajuda, No nosso caso, temos uma rede de parceiros no exterior que deve ajudar bastante. Principalmente na Alemanha, mas também na Itália, na Inglaterra, nos Estados Unidos e no Canadá. Esse pessoal que vai ser meio que a nossa luz no fim do túnel enquanto a situação não mudar.

- Como comentado anteriormente, os recursos humanos são um dos principais pontos na Bioinformática, por isso, gostaríamos de saber quais seriam os seus principais conselhos para os discentes que querem seguir na área da Bioinformática?

R.: - Em primeiro lugar, que não sejam só BIO, que sejam mais INFO e vice-versa. Algo que eu sempre digo é que o cenário ideal seria que tivéssemos informática e o início de linguagem de programação, como uma introdução ainda no ensino médio, porque quanto mais cedo melhor. Então, o que eu sempre digo para os meus alunos é que esta é uma área que tem um futuro promissor e que possui a possibilidade, digamos, de gerar emprego em qualquer lugar do mundo. E o que é que a gente da Biologia tem que os informatas não tem? A noção da biologia, a noção dos problemas, a noção dos assuntos e processos que a gente quer entender com a informática. Então, eu acho que o Biólogo evolui muito quando ele aprende a ser mais informata. O meu conselho é: aprenda a programar, principalmente, Python e R, quanto mais cedo, melhor.

- Ao longo da sua formação você teve vivências em diversos países e instituições, você acha importante para um aluno de graduação ou de pós-graduação ter essas vivências em outras instituições?

R.: - Ah, com certeza! Cada vez que eu ia para um laboratório diferente era impressionante a quantidade de coisas que eu aprendia além do meu próprio projeto. A questão da organização, da forma como eles tratam, como é que eles tratam, quais são as perguntas científicas que cada grupo possui, isso é uma coisa muito enriquecedora. Por exemplo, eu tive um estágio de 20 dias na Suíça, em Zurique, foi uma experiência rápida, eu fui para lá só para coletar umas amostras, e lá eu já transformei toda a ideia do meu projeto por causa desses 20 dias. Esses estágios são fundamentais. Eu acho até que a gente deveria pensar nisso até em um âmbito mais local, sabe?! Entre universidades próximas, e às vezes até entre os departamentos dentro da própria instituição.

- Para finalizar, quais seriam suas principais perspectivas para o seu campo de estudo e para a área da Bioinformática nos próximos anos?

R.: - Olha, o nosso interesse atual é integrar dados. Eu acho que isso é uma das coisas mais difíceis, e a gente consegue enxergar os alunos às vezes tendo também essa dificuldade. Por exemplo, uma coisa que temos tentado fazer é explorar determinadas famílias gênicas ou famílias proteicas dentro de uma visão que vá desde um procarioto, se for o caso, passando pelas plantas, até os animais. Então, o que a gente tem feito em várias situações, é buscar dados fora daquilo que a gente tem. Nós sempre tivemos essa tendência. Nós sempre olhamos dentro das plantas, em geral dentro de uma espécie, começamos lá com a cana naquele tempo dos ESTs, e hoje a gente já está enxergando que isso não faz sentido. A nossa intenção é cada vez mais entender essas moléculas não só no âmbito onde elas se encontram, porque elas estão lá, como é a expressão delas, o que acontece na situação A e na situação B, mas também o que que acontece com elas ao longo da evolução. O pessoal da UFMG trabalha bastante com esse aspecto evolutivo, e eu estou agora também fazendo parte do corpo docente de lá, e estou justamente pensando em uma disciplina mostrando esse tipo de enfoque. Uma coisa que eu acho que nós temos no Brasil, e que pode ser até no mundo, e que é um problema, é que geramos muitos genomas e transcriptomas, mas a gente explora esses dados de uma forma muito superficial. Então, eu acho que a gente precisa começar a olhar esses dados e talvez desenvolver formas de olhar para esses dados que nos dê menos trabalho braçal e gere mais dados que nos ajudem a responder perguntas específicas, no contexto evolutivo e ambiental. E quando a gente pensa em estrutura de gene ou estrutura de proteínas, tudo isso tem muita evolução por trás. Eu sou apaixonada por evolução, foi nessa área que eu comecei e para onde estou o tempo todo voltando. Em resumo, o meu conselho e a minha mensagem para levar para casa é tentar enxergar as coisas de uma forma mais holística. Quanto mais interligado, mais interessante e fascinante isso vai ser. A Bioinformática vai gerar muitas informações e questões que não vamos conseguir responder, mas à medida que em fazendo perguntas, talvez surjam novas motivações.

Glossário:

  • ESTs: sigla da língua inglesa: Expressed Sequence Tags, sendo em português, etiquetas de seqüências expressas. É uma tecnologia de seqüenciamento rápido que tem como base a identificação apenas das porções dos genes que irão codificar proteínas. Tecnologia essa que facilitou a descoberta de novos genes.
  • SUCEST: foi um Projeto FAPESP que possibilitou o sequenciamento do Genoma da Cana-de-Açúcar. O termo SUCEST vem da abreviação dos termos em inglês Sugar Cane EST. Obteve contribuição da infraestrutura de diversos centros de pesquisa e foi um projeto de bastante interesse dentro da agroindústria da cana-de-açúcar.
  • FORESTs: também foi projeto FAPESP que visou o sequenciamento dos genes do eucalipto, contou com diversas instituições acadêmicas e empresas e permitiu o desenvolvimento de novas variedades usadas na produção de papel.