Para ajudar no trabalho de prevenção e diagnóstico da covid-19, pesquisadores do Centro Multiusuário de Bioinformática (BioME/IMD) e do Laboratório de Biologia Molecular Aplicada (Laplic/UFRN) propõem novas versões de um dos principais elementos dos testes para identificação da doença, os iniciadores (ou primers), usados nas reações de PCR (Polymerase Chain Reaction). O trabalho foi publicado na Scientific Reports.
Por meio do estudo, os principais primers utilizados em todo o mundo foram avaliados e, em seguida, criados primers inéditos, capazes de aumentar a assertividade das testagens de covid-19, de modo a evitar erros de diagnóstico, como os casos de “falso negativo”.
“Conseguimos desenhar nove conjuntos de primers e sondas – que nada mais são do que ‘pedacinhos’ de DNA utilizados na PCR – que teoricamente são capazes de funcionar na identificação de qualquer variante do SARS-CoV-2 conhecida até então. Isso diminui consideravelmente a chance de erro dos testes da doença”, conta um dos participantes da pesquisa, o professor Daniel Lanza, do Laplic.
Aberto ao público, o artigo científico foi publicado, no último mês, em periódico de um dos maiores veículos científicos do mundo, o Nature, e é fruto do trabalho da mestranda Maria Júlia Davi, do Programa de Pós-Graduação em Bioinformática (PPG-Bioinfo/IMD), feito a partir de uma parceria entre os professores João Paulo Lima, docente do BioME, Selma Jerônimo, do Instituto de Medicina Tropical do Rio Grande do Norte (IMT/RN), e Daniel Lanza.
Apesar da técnica de PCR já ser amplamente utilizada no mundo – sendo, inclusive, o principal método usado pelo IMT/RN para as testagens de covid-19 –, a novidade trazida pelo estudo reside justamente na versatilidade dos novos primers desenvolvidos pelos pesquisadores.
“Os principais desafios para a identificação continuada do vírus são justamente suas eventuais mutações. Eu posso ter um primer para uma variante do vírus da covid-19, mas quando ele sofre alguma mutação, esse primer pode perder eficiência e meu diagnóstico pode ser impreciso. O que fizemos, então, a partir de um grande banco de dados com sequências genéticas do SARS-CoV-2, foi identificar as regiões no genoma viral que apresentam menor propensão às mutações para, a partir daí, desenhar novos primers específicos, aplicáveis a qualquer variante do vírus conhecida”, explica Lanza.
Todos os primers foram desenhados e testados por bioinformática (in silico) pelos professores João Paulo Lima e Daniel Lanza. Para o trabalho, foram utilizados alinhamentos de milhares de sequências genéticas do SARS-CoV-2 e os primers foram testados contra mais de 211 mil genomas do vírus e suas variantes recentes – tarefa apoiada pelo supercomputador do Núcleo de Processamento de Alto Desempenho (NPAD/UFRN).
“O custo do projeto foi praticamente zero, com exceção dos recursos indiretos oferecidos pela Capes para o pagamento da bolsa de pesquisa da nossa mestranda (Capes – Ação Emergencial). Ou seja, estamos falando de um resultado importante, oriundo justamente do trabalho da UFRN e de um investimento na nossa universidade”, enfatiza Lima.
Segundo os professores, o próximo passo da pesquisa é a testagem dos novos primers in vitro – até o momento, a validação aconteceu apenas por simulações computacionais de bioinformática. Para isso, os pesquisadores contarão com o apoio do IMT, instituição que já realizou mais de 40 mil testagens de covid-19 só em Natal.
“Trabalhamos em parceria com a professora Selma Jerônimo e algumas amostras do IMT já foram disponibilizadas para iniciarmos os testes in vitro. Esse é o próximo passo para validarmos definitivamente os novos primers e apresentar um novo protocolo mais eficiente para detecção do vírus”, conta Daniel Lanza.
Segundo os docentes, qualquer empresa ou instituição que tenha estrutura mínima para a realização de testes de PCR ou pesquisas com as sequências do vírus são capazes de testar e validar os novos kits. “Contanto que se tenha um termociclador, equipamento necessário para fazer uma reação PCR, e um laboratório de biologia molecular, é possível realizar os testes”, garante Lima.
“Evidentemente, para o oferecimento dessa nova testagem ao público, será necessário, após a validação, obter as devidas autorizações das agências reguladoras, pois não são apenas os primers, mas sim uma série de fatores que devem ser levados em conta para que os testes de um determinado local sejam consideradas de fato”, ressalta Daniel Lanza.
Para manterem válidos os resultados do estudo, os pesquisadores continuam, mensalmente, alinhando sequências genéticas do SARS-CoV-2, de modo a atualizar a lista de primers, caso surjam novas variantes do vírus.
Leia a matéria original por Felipe Araújo (IMD/UFRN) publicada no portal da UFRN